quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Rotina

Pedro acorda com o som do despertador a ecoar. O som penetra pelos seus sonhos a dentro até que se aperceba que tem de acordar. Levanta-se e vai directo ao WC para tomar banho e lavar os dentes. É sempre assim o seu inicio de dia – uma rotina sem fim. Veste-se a correr, come rapidamente e sai apressadamente de casa. Todos os dias começam da mesma forma e ele já nem se apercebe disso.

Já fora de casa, corre para apanhar o autocarro, enquanto carrega o casaco numa mão para não suar demasiado. Convém chegar em condições ao trabalho e toda a gente sabe que o suor não é o melhor amigo dos colegas e chefes. Apanha o autocarro, apresenta o passe e senta-se. 

 - “Agora sim, vou poder relaxar um pouco”, diz Pedro, em voz baixa, enquanto observa as ruas de Lisboa, pela janela do autocarro.

De repente ouve-se um estrondo alucinante e sente-se o autocarro a virar ao contrário. O autocarro colidiu com um carro, numa estrada muito inclinada, e vinham os dois a mais de 100km/h. O motorista saiu disparado pelo vidro da frente e os passageiros voaram dentro do autocarro nas mais diversas direcções e distâncias. Ouvem-se gritos desesperan
tes mas o silêncio de muitos é o que mais assusta.

Pedro foi disparado contra um banco muito à frente e, quando despertou, olhou para as suas mãos e só via sangue. Olhou em redor e viu o caos que nunca imaginara ver, nem num filme dramático ou de terror. Lembrou-se, por momentos, que não tinha como avisar que chegaria atrasado ao trabalho mas, de repente, fez-se luz na sua mente e deu um grito ensurdecedor. Pedro apercebera-se que tinha estado a desperdiçar a sua vida numa rotina e que tinha posto de lado a sua vida pessoal em prol da carreira. Apercebeu-se que não vivia há muitos anos. E se agora tudo chegasse ao fim? E se esta ida para o trabalho fosse o seu grande final?


 – “ Se me safar desta, vou mudar a minha vida e vou voltar a viver. Vou ressuscitar do mundo dos mortos-vivos porque morto já eu estava. Só espero safar-me, só espero mesmo”, disse Pedro até que os seus olhos se voltaram a fechar. 


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Incertezas

Não sei o que é certo ou incerto. Sinceramente acho que nada sei, de facto. Posso escolher entre viver com medo da incerteza ou encará-la com ânsia e emoção, como quem vê um filme de acção a passar pelos seus olhos. A vida é assim. A minha vida tem sido assim. Um constante e um reboliço de acontecimentos e momentos que não espero, que não quero, que ansiosamente aguardo e desejo e…e…e… Isso. É isso. A vida é assim. Um ciclo de momentos bons, fantásticos, maus e terríveis! E, às vezes, os momentos misturam-se e entrelaçam-se uns nos outros.  Quero paz, quero simplicidade, quero sentir com o coração e não envolver o cérebro nesse processo. Quero ser irracional, quero voar e pensar que tudo é possível. Aliás, não quero pensar não. Quero apenas sentir e respirar fundo.


sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Máscara

As pessoas escondem-se e adoram esconder-se. Escondem-se por trás da linguagem, de perguntas retóricas, do humor… Não somos fiéis a nós mesmos, não nos respeitamos, não damos espaço a nós mesmos… Será que ainda o conseguiremos ser, em qualquer altura, caso queiramos?
As consequências não podem ser positivas. Não me admira que exista tanta gente com crise de identidade, medos sociais… Será que pensamos que se deixarmos de ser nós mesmos, os outros deixam de gostar de nós? E será que isso não é ao mesmo tempo verdade e mentira? Mas mais verdade ou mais mentira?
Os outros estão tão alheios, tão metidos para dentro de si mesmos que não querem saber do que realmente os outros são ou sentem. Não estão para se incomodar com isso… As pessoas só gostam de estar e falar com alguém bem-disposto e bem-humorado, alguém sem defeitos, sem problemas, sem crises, sem traumas, de preferência sem uma personalidade demasiado vincada… Se por qualquer motivo a pessoa já não está assim, então já não é a mesma. Mas será que alguma vez o foi?
Quando não ligamos a alguém por essa pessoa estar em baixo e “diferente” do seu eu (?) normal, podemos estar, então, a deixar escapar uma oportunidade de a conhecer melhor ou simplesmente de a conhecer finalmente, ponto final. Gosto de aproveitar esses momentos… acho que podem ser os mais ricos na relação, no conhecimento, não só para a pessoa como para quem a está a deixar ser ela mesma.

Quando procedemos assim, escondendo-nos por trás de uma máscara protectora (linguagem, mas não só) deixamos de ser nós mesmos, o Eu deixa de existir e passamos a ser todos apenas seres programados para ser aquilo que os outros esperam. Assim, deixamos de “ser” e passamos apenas a “existir”.


terça-feira, 22 de setembro de 2015

O Toque

Não tenho tanta força como digo e como penso. Cada toque teu revela a minha fragilidade, a minha necessidade, a minha dependência. A minha dependência do amor, do carinho, do respeito, da amizade. Cada toque deita os meus próprios dogmas a baixo, não tenho o controle como pensava. O toque permite-me levantar se estiver abalada e, se estiver bem, permite-me encher-me de questões, sentimentos, sensações até então desconhecidas ou por redescobrir…

Não é apenas físico, é uma viagem. Uma viagem por dentro de mim, da minha mente, por dentro de ti, também... Não tires a mão de cima da minha, deixa-a aí. E quando a tirares, fá-lo devagarinho...para que eu não desperte.


segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Grito mudo

Que grito é este? Estou a ouvi-lo… Frenético, mudo, inaudível, que está aqui dentro mas censurado pelas minhas mãos. Quero sentir-me livre…  Quero que esta sensação, que sinto dentro de mim, desapareça. Antes que faça estragos. Sérios estragos.
Falta pouco… Concentra-te, respira fundo e não deixes que o grito fuja cá para fora!  Não o deixes escapar! Eu sei… já está a escapar-se aos poucos e não consegues impedi-lo! Não faças mais estragos, guarda-o para dentro de ti... por favor. 




Tic Tac

Tic tac,
O tempo vai passando,
Vai dando respostas.
Respostas que nunca pensei receber.
É verdade,
A ilusão é melhor que a realidade.
A realidade é pura ficção.
A ficção é pura ilusão.
A ilusão é um sonho não realizado,
Que nunca se realizará.
Se se realizar,
Deixa de ser ilusão.
Deixa de ser sonho.
Passa a ser algo vivido,
Que não contentará,
Que trará mais sonhos,
Mais sonhos não realizados.
A vida é assim.
A busca de algo que não se tem.
A busca de algo que nunca se vai ter. 
A busca de uma constante busca que se continua a buscar e nunca se encontra.
Até ao dia...
Nesse dia,
Continuarei a buscar.
O que? 
Não sei, mas...
Os sonhos não morrem! E eu continuo...


domingo, 20 de setembro de 2015

Pureza

No outro dia chamaram-me criança. Disseram-me que não cresço pois sou muito pura. Pura não acredito que seja, porque sou adulta. Não acredito em adultos puros. Ninguém o é, por mais que queira. Mas as crianças são, de facto. As crianças não têm maldade e têm os seus corações limpos. A pureza existe sim, mas em nós Humanos só acredito na pureza infantil. Por isso, não pode haver melhor elogio do que me chamarem criança. As crianças são tudo de bom. E se todos fossemos crianças e acreditássemos mais na bondade da vida, provavelmente todos seríamos seres melhores.